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sábado, 26 de fevereiro de 2011

PRA QUEM MORRE DE A CAVALO


A música "Pra Quem Morre de a Cavalo", parceria minha com Wolmar Penna Flores, participou do 21º Grito do Nativismo de Jaguari. Defendida no palco por Ângelo Franco, rendeu a Samuca a premiação como melhor instrumentista do festival. Na foto, Jean Kirchoff, melhor intérprete e primeiro lugar com "Namorado das Rimas", de Ramires Monteiro.
Abaixo, a letra de "Pra Quem Morre de a Cavalo":

Quando a morte arma seu laço
Num tiro justo nos tocos
Morrer em cima dum pingo
É honra dada pra poucos.

Fazer campa do lombilho
De uma encilha lindaça
E uma coroa trançada
Com os tentos do doze braças.

Quem, por campeiro e ginete,
Morre agarrado ao sovéu
Num buenas-noites pra terra
Sobe a cavalo pro céu.

A altivez do último gesto
Na mão que segura o freio;
Quem morre sobre um cavalo
Vai pro céu parar rodeio.

E quando pingo e ginete
Se irmanam na mesma morte
É que a tava do destino
Caiu clavada na sorte.

Uma ossamenta velada
Pela luz dos pirilampos:
Cavalo e homem plantados
No ventre fértil dos campos.


Para baixar "Pra Quem Morre de a Cavalo" e as demais composições do 21º Grito do Nativismo:
http://camara.jaguari.rs.gov.br/?page_id=195

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Cena Rural II



O sol é nesga de brasa
Mergulhado em poesia
Quando a tarde vem pras casas
Fechando a barra do dia.

As cores de campo fora
Complementam a pintura
Do dia que vai embora
Tendo a pampa por moldura.

O céu se pilcha de prata
E a noitezita se assanha
Neste quadro que retrata
O entardecer de campanha.


Foto de Cláudia Albornoz, Estância do Madrigal, janeiro de 2010
Versos meus, em homenagem à autora.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Os Pioneiros II


Hilario Ascasubi nasceu em Fraile Muerto, Córdoba, em 14 de janeiro de 1807, durante uma viagem de carreta que faziam seus pais. Na juventude viajou pela França, Portugal e Inglaterra, embarcado num navio português. De volta à Argentina, foi editor e jornalista. Entre 1830 e 1832 acompanhou o Gen. Lavalle em suas campanhas militares, sendo feito prisioneiro em 1832 no Forte de Buenos Aires, de onde fugiu para Montevideo. Na capital uruguaia atuou como comerciante e militar. Retornou a Bs Aires em 1875, falecendo em 17 de novembro deste mesmo ano. Em 1872, reuniu em 3 tomos toda sua obra: Santos Vega o los mellizos de la flor; Paulino Lucero e Aniceto el Gallo.
Em carta enviada a Ascasubi em 1859, Estanislao del Campo (em breve n´os Pioneiros) escreveu: "usted arranca de la sien laureada del "Vate de la Pampa" la rica corona que le ciñó el genio para adornar con ella la humilde frente del pobre versista (...)".
Abaixo, trechos de "Santos Vega, el Payador" (Canto 3);

Luego, después de ensillar,
al chifle, lo que montaron,
otro beso le pegaron
y salieron a la par;
y, después de caminar
cinco leguas de un tirón
cruzaron un cañadon
y por ultimo llegaron
a un rancho donde se apiaron
cerca de San Borombón.

Aunque de facha tristona
era el rancho, en la ramada
con cuero estaba colgada
media res de vaquillona;
porque la Juana Petrona
era algo regaloncita,
y desde esa mañanita
esperaba a su marido
que con el recién venido
cayeron de tardecita.

Desensilló el forastero
y del palenque al bragao
Rufo lo echó acollarao
al campo con un overo;
de ahí le acomodó el apero
del cantor en un rincón;
y, ansí que hirvió, se pusieron
a tomar un cimarrón
y luego para el fogón
a la caldera acudieron.
(...)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

EIS O HOMEM


Muita gente me pergunta sobre a epígrafe do blog, um verso de Marco Aurélio Campos no poema Eis o Homem. Em homenagem aos leitores do blog e, especialmente, a meu avô, Seu "Nenê Domingues" (falecido em 1988), quem me ensinou o poema e, sobretudo, o apego às coisas da Pampa, publico Eis o Homem na íntegra:

Brotei do ventre da Pampa,
que é Pátria na minha Terra.
Sou resumo de uma guerra
que ainda tem importância.

Diante de tal circunstância,
segui os clarins farroupilhas
e, devorando coxilhas,
me transformei em distância.
Sou tipo que, numa estrada,
só existe quando está só.
Sou muito de barro e pó.
Sou tapera, fui morada.

Sou velha cruz falquejada
num cerne de coronilha.
Sou raiz, sol farroupilha,
renascendo estas manhãs.
Sou o grito dos tahãs
voejando sobre a coxilha.

Caminho como quem anda
na direção de si mesmo.
E, de tanto andar a esmo,
fui de uma a outra banda;
Se a inspiração me comanda,
da trilha logo me afasto
e até sementes de pasto
replanto pelas vermelhas
estradas velhas, parelhas,
ao repisar no meu rastro.

Sou a alma longa e tão cheia
como os caminhos que voltam
quando as saudade rebrotam
substituíndo os espinhos
que, à perda de alguns carinhos
antigos, velhos aprontes,
nasceram muitos, aos montes,
desta minha vida aragana,
nesta andança veterana
de ir destampando horizontes.

Eu sou a briga de touros
no gineceu do rodeio.
Impropério em tombo feio
quando um índio cai de estouro.
Sou o ruído que o couro
faz ao roçar no capim.
Sou tim-rim-tim-tim
da espora em aço templado.
Trago o silêncio, guardado,
do pago dentro de mim.

Fazendo vez de oratório,
sou cacimba destampada,
de boca aberta, calada,
como à espera do ofertório;
como vigília em velório,
nesse jeito que é tão seu:
tem muito de terra... É céu
que a gente sente ajoelhando
e, de mãos postas, levantando
o pago inteiro para Deus.

Sou o sono do cusco amigo
meio dentro do borralho.
Sou as vozes do trabalho,
no amor, na paz - sou perigo.
Sou lápide de jazigo
perdida nalgum potreiro.
Sou manha de caborteiro,
sou voz rouca de acordeona
cantando, triste e chorona,
um canto chão brasileiro.

Sou a graxa da picanha
na bexiga enfumaçada.
Sou sebo de rinhonada
me garantindo a façanha.
Sou vozerios de campanha
que nos lançantes se somem.
Sou boi-ta-tá, lobisomem.
Sou a santa ignorância.
Sou o índio sem infância
que, sem querer, ficou homem.

Sou o Sepé Tiarajú,
o Uruguai, rio-mar azul.
Sou o cruzeiro do sul,
luz e guia do índio cru.
Sou galpão, charla, e chirú
de magalhanicas viagens.
Andejei por mil paisagens,
sem jamais sofrer sogaço.
Cresci juntando pedaços
de brasileiras coragens.

Sou, enfim, o sabiá que canta,
alegre embora sozinho.
Sou gemido de moinho
num tom tristonho que encanta.
Sou o pó que se levanta,
Sou terra, sangue, sou verso.
sou maior que a história grega.
Eu sou Gaúcho, e me chega
pra ser feliz no universo.


Marco Aurélio Campos

A imagem é do LP TELURISMO, onde foi gravado o poema na década de 1980.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O General de Duas Pátrias


Conhecido como "General de Duas Pátrias", Aparício Saraiva (ou Saravia) foi figura importante e controversa na historiografia pampeana, participando das revoluções políticas dos séculos XIX e XX no Rio Grande do Sul e Uruguai. Do "Partido Blanco" uruguaio, sua tropa era a única, no Rio Grande, que, lutando ao lado dos "maragatos" (notabilizados pelo lenço vermelho), usava lenço branco.
O vídeo postado ao lado traz a composição "De Duas Pátrias", parceria minha com Juliano Moreno, campeã do 8º Canto sem Fronteira, na cidade de Bagé (gracias Juliano, André Kovalick, Daniel Cavalheiro e Robson Garcia - na foto acima).
Abaixo, a letra:

DE DUAS PÁTRIAS

"Caudillo blanco" forjado a ponta de lança,
Foi ordenança, "cabo viejo" e general;
Com Gumercindo peleou em noventa e três,
A uma só vez, riograndense e oriental.

Hay lenços brancos nas fileiras maragatas -
Índios do Prata tendo a guerra por ofício.
Vai na vanguarda o General de Duas Pátrias
E na culatra umas novilhas pro munício.

Marcham valentes nos caminhos da fronteira,
Rumo à Rivera sem temer o sacrifício,
De peito aberto, ouvindo o vento que assopra
Alguma copla em honra a Dom Aparício.

Em Masoller trançaram aço com aço
Quando um balaço disparado pela raiva
Pôs fim ao homem, mas criou um novo mito
No último grito de Aparício Saraiva.

O poncho velho que em tantas noites escuras
Foi armadura na barbárie das batalhas
Agora cobre o corpo inerte do guerreiro
Num derradeiro e terno abraço de mortalha.


Mais informações sobre Aparício Saraiva: http://es.wikipedia.org/wiki/Aparicio_Saravia

Para a letra e o vídeo de "De Poncho Blanco", com Tabare Etcheverry: http://www.letras.com.br/tabare-etcheverry/de-poncho-blanco

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Os Pioneiros I


A ideia de "Os Pioneiros" é divulgar o trabalho dos autores que primeiro escreveram sobre as coisas terrunhas na Grande Pátria Pampeana (RS-Uruguai-Argentina). Começo com Bartolomé Hidalgo, nascido em Montevideo em 24 de agosto de 1788 e morto de tuberculose em Caserio de Morón, em 28 de novembro de 1822, "en la oscuridad y la pobreza". Hidalgo foi um autodidata, não tendo cursado educação formal. Em 1820 começou a escrever seus "Cielitos patrióticos", de estilo gauchesco, que ele mesmo vendia nas ruas. Para Juan Maria Gutiérrez, Hidalgo foi o "primeiro poeta gauchesco", opinião semelhante à de Martiniano Leguizamòn ("Hidalgo es el primer poeta criollo del Rio de la Plata").
Abaixo, alguns de seus "Cielitos":

Los chanchos que Vidoget*
ha encerrado en su chiquero
marchan al son de una gaita
echando al hombro un fungeiro.
(...)

Vidoget en su corral
se encerró con sus gallegos
y temiendo que le pialen
se anda haciendo el chancho rengo.
(...)

Cielo de los mancarrones,
ay!, cielo de los potrillos,
ya brincarán cuendo sientan
las espuelas y el lomillo.
(...)

Cielito, cielo dichoso,
cielo del Americano,
que el cielo hermoso del Sud
es cielo más estrellado.

*Gaspar de Vigodet: governador da cidade de Montevideo

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Bando


O Grupo Tambo do Bando, surgido na década de 1990, foi uma das manifestações artísticas mais criativas e originais que já pisaram os palcos dos festivais. Composto por Vinícius Brum, Carlos Cachoeira, Texo Cabral, Marcelo Lehman e Beto Bolo e idealizado por seu principal letrista, o gênio Sérgio Metz Jacaré, falecido em 1996, o Tambo do Bando não permitiu meios termos: em sua proposta vanguardista, ou angariou fãs incondicionais ou desafetos. Particularmente, fico no grupo dos primeiros. Depois do Tambo, não vimos mais nada de tão original aparecer.
Na foto, a premiação da 11ª Moenda, junto com Ivo Fraga, com a composição Muito Além da Pasárgada, de Vinicius Brum e Jaime Vaz Brasil (outro de seus letristas recorrentes).
Abaixo, a homenagem ao grupo em meu poema O BANDO:


Ando tão em desencanto
vez em quando,
gastando chumbo em chimango,
bebendo a canha do santo.
Já não me bastam os tangos,
os chamamés com o Chango
nem me chegam os malambos,
os huaynos
com seus charangos.
Nem os versos de Aureliano –
que espanto! –
me acomodam no meu canto;
muito menos acalantos
ou mantras em esperanto.

Quando fico neste banzo
não vejo outro remédio
que ouvir o Tambo do Bando
exorcizando esse tédio.

São assim os meus princípios
porque assim a vida é:
os acordes de Vinicius
nos versos de Jacaré.

Para baixar músicas do Tambo, em http://musicagpd.blogspot.com/2009/10/tambo-do-bando-ingenuos-malditos.html

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Cena Rural I


"Cena Rural" é uma série composta por fotografias feitas por Cláudia Albornoz (minha prenda) na Campanha, sempre acompanhadas de algum texto em verso ou prosa.
Nesta, os versos são de Jorge Chagra, musicados por Nicolás Toledo e imortalizados por Los Chalchaleros:

Sapo de la noche, sapo cancionero,
Que vives soñando junto a tu laguna.
Tenor de los charcos, grotesco trovero,
Estás embrujado de amor por la luna.

Yo sé de tu vida sin gloria ninguna;
Sé de las tragedias de tu alma inquieta.
Y esa tu locura de amor a la luna
Es locura eterna de todo poeta

Sapo cancionero:
Canta tu canción,
Que la vida es triste,
Si no la vivimos con una ilusión.

Tú te sabes feo, feo y contrahecho;
Por eso de día tu fealdad ocultas
Y de noche cantas tu melancolía
Y suena tu canto como letanía.

Repican tus voces en franca porfía;
Tus coplas son vanas como son tan bellas.
¿no sabes, acaso, que la luna es fría,
Porque dió su sangre para las estrellas?.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Pra começo de conversa.

Bueno, pra começo de conversa, publico um conto inédito, escrito em 2009. Espero que gostem...





TRUCO DE MANO
   

    Andavam roubando gado pras bandas de Santa Rita.
    Por estes tempos eu changueava de alambrador na Estância da Ilha, de propriedade do doutor Próspero. Homem correto, respeitador, mandou me chamar no galpão onde à tardinha costumava matear com os outros peões campeiros. Decerto ouvira falar dos meus dotes de valentia. Na verdade, exageros que corriam de boca em boca dos dois lados das barrancas do Uruguai.
    Pois pedia o doutor que eu montasse guarda na invernada, de tocaia aos maulas abigeatários. Um par de dias antes o capataz dera com os espólios de uma rês carneada ali mesmo, a uma ou duas léguas da Casa Grande. Outro problema, explicou o patrão, era que a invernada ficava ao lado de um corredor tido por assombrado pela peonada. Ninguém, por macanudo e taura que fosse, aceitava o encargo de tocaiar os bandidos.
    Missão dada, missão paga – aprendi ainda em praça no Segundo Regimento João Manoel, aquartelamento de São Borja. Ademais, nunca fui de recusar serviço. E aquilo de roubar o gado alheio me botava fora das estribeiras. Por estas razões, aceitei o trabalho. Sem falar ao patrão dos desconfortos no peito, aqueles agulhaços que vinham puando o costado do coração há bem umas quantas semanas. Poderia parecer recusa. Ou, ainda pior, covardia. Em Livramento, certa feita, me disse um doutor que era mesmo o coração: tantos anos de palheiro e carne gorda um dia iam cobrar seu preço. E já não sou nenhum gurizote recém saído dos cueiros. Me receitou uma pastilhinha pra botar embaixo da língua quando o batedor começasse a corcovear. Mas, bueno. O fato é que escondi isso do patrão, dei de mão nos meus trecos e fui acampar na invernada.

* * *

    Quem nunca passou uma madrugada de agosto a campo aberto na Campanha não sabe o que é sentir frio. O vento uiva nos ouvidos e parece que correm lâminas de gelo por dentro dos ossos. La pucha! Um índio tem que ser guapo pra agüentar o Minuano!
    Naquele breu de fundo de campo, o poncho de lã correntina não dava conta de abater o frio. Logo de saída não quis fazer fogo: se minha missão era de tocaia, uma fogueira ali seria sinal de alerta. Mas lá pelas duas da matina, quando o Minuano gemeu com força e o frio tomou corpo, não tive alternativa: juntei uns galhos de Sarandi e ali no mais prendi a fogueira. Se por um lado eu revelava minha posição, por outro servia para intimidar a eventual presença dos bandidos. E, mesmo contra a recomendação do doutor de Livramento, abri uma branquinha de Santo Antônio pra aquecer a goela.
    Não sei se foi o frio, a solidão, a canha. Só sei que começou de novo aquele puaço no peito, um aperto, um potro: coração redomão corcoveando, querendo rebentar a soga. O peso dos cinqüenta e pico de vida. Bem vivida, diga-se de passagem.
    Foi antes de botar a tal pastilha na boca que ouvi os passos chegando perto, quebrando o pasto ressecado pela geada.

* * *

    Ladrão de gado não podia ser: não seria tão burro de chegar assim de peito aberto, sujeito a levar um balaço. Tampouco ia se achegar solito. Pelas dúvidas, dei de mão no berro que trazia na guaiaca e me pus em guarda.
    Louvado seja nossosenhorjesuscristo, disse de lá o vivente. Pra sempre amém, respondi de onde me encontrava, sem tirar os olhos do homem e a mão do trinta-e-oito. Oigalê, sujeito esquisito! Do chapéu de aba larga até o chão devia ter quase dois metros; magro como um pau de virar tripa; e branco! A pele parecia feita de leite, contraste com a noite escura que se realçava pelos fachos intermitentes da fogueira.
    Se é amigo se achegue e tome um trago, emendei, fazendo questão de mostrar o cano da arma e de esconder o desconforto no peito. Ele tinha um semblante muito calmo, e foi logo sentando junto ao fogo. Disse que era um andante e vira o lume da fogueira. Que o frio estava de renguear cusco, e que nenhum gaúcho de verdade iria lhe negar o conforto do calor de um fogo. Hay ladrões de gado por estas bandas, expliquei, como a justificar minha presença naquele descampado. Respondeu que ouvira falar, andava de estância em estância atrás de serviço e numa ou noutra se comentava sobre isso, eu sabia como era.
    Tinha uma charla buena o vivente. Àquela altura, cheguei a gostar de ter companhia numa madrugada gelada de agosto, num fundo de campo.

* * *

    Os primeiros galos ainda não haviam começado sua cantoria quando o assunto foi mermando. A garrafa já quase se esvaziara, e a dor no peito agora era só um leve tirão.
    Com naturalidade, o paisano meteu a mão na mala de garupa e dela tirou um baralho espanhol, as cartas reluzindo de novas: truco?
    Por que não, respondi, afinal o caso era passar o tempo.
    Antes de dar as cartas, fez uma pausa e falou num tom grave, pela primeira vez: não jogo às brincas.
    Vale o quê?, perguntei. Não tenho plata, e do meu schimite não me desfaço, como qualquer mensalista de Missiones. 
    Não se apoquente, companheiro: não jogo por dinheiro, e na hora certa vosmecê há de saber o valor da minha aposta.
    Botei aquelas palavras estranhas na conta da branquinha de Santo Antônio e topei a parada.
    Na primeira volta o índio já botou Envido. Calavera, pensei. Mas este bagual aqui não foi criado campo fora por acaso, muito menos se criou na timba pra correr de chambão. Botei-lhe um Real Envido e a noite foi ficando linda!

* * *

    Flor a Flor, Truco a Truco – o jogo ia parelho!
    E dê-lhe Retruco e Vale-quatro!
    Empardados nos tentos, chegou a última mão. Uma nesga de ferro em brasa no horizonte já anunciava que a noite vinha parindo o dia. E os galos.
    Meu parceiro deu as cartas, em silêncio. Procurei em seu rosto qualquer traço de emoção, fosse por cartas buenas, fosse por cartas malas. Nada. O homem era uma campa.
    Virou Bastos na amostra. La fresca! Olhei pras cartas que tinha comigo: três e cinco de Espadas; quatro de Bastos.
    Nem esperei direito e já fui cantando

Su nombre no era Floduarda
Ní tampoco Florentina
 Su nombre era Floribela
 Ay, cuna! Que Flor de China!


e olhando com cara de vitória pro outro – uma Flor de 37! -, que não mexia um fio de cabelo. E então, esboçando um sorriso de leve, sibilou por entre os lábios: Contra-flor e o resto!
    Aquilo decidia a partida! O jogo de maior valor ganhava a aposta, fosse ela qual fosse.
    Cartas no chão, contamos os pontos. Ele tinha o Perico, um seis e um quatro de Ouro: 37 pontos!
    Foi de mano!
    Trinta e sete a trinta e sete!
    Ganhaste na regra do jogo, ele me disse depois de um pequeno momento de reflexão. Apertou minha mão num cumprimento formal – e foi quando percebi que sua pele era ainda mais fria que o vento da madrugada.
    Depois, como se nunca estivesse andado por ali, virou as costas e foi embora.


* * *

    De manhãzita retornei à estância.
    Rebuliço da peonada no galpão.
    Aos atropelos, me contaram dos corpos achados perto do açude, ainda quentes. Eram os ladrões de gado: estranho era que não tinham marcas de bala ou faca, nem mesmo de qualquer tipo de violência. Mortos, apenas.
    Então entendi a aposta que tinha ganho algumas horas antes.
    E nunca mais senti dor alguma a corcovear no peito.







Buenas e me espalho...

... como diria o capitão Rodrigo Cambará. Mas a intenção não é dar de prancha nem de talho, grandes ou pequenos. Apenas trocar ideias sobre a Grande Pátria Sulina, seus costumes, histórias, cultura. E mostrar um pouco do que faço nesta área. Quem quiser acompanhar, é só dar o "Ó de Casa!" e bolear a perna...